Um Portugal a arder, um país eternamente adiado

De pouco serviu a tragédia dos incêndios do ano passado, nos concelhos de Pedrógão Grande, Góis, Castanheira de Pera e outros, incêndios, que causaram dezenas de vítimas mortais, de inúmeros feridos, de prejuízos materiais avaliados em muitos milhões de euros com a perda total de centenas de residências de primeira, e de segunda, habitação, de inúmeras empresas que garantiam postos de trabalho, enfim, todo um rol de funestos acontecimentos, que jamais se apagarão da nossa memória coletiva.

Parece não se ter aprendido nada, ou quase nada, com aquele terrível drama dos incêndios, que fustigaram no ano passado, em especial a região de Pedrógão Grande, Góis e Castanheira de Pera, mas, que se multiplicam todos os anos ao longo do país.

Como é habitual e típico de um Povo residente num país eternamente adiado, depois da tragédia o que mais importou foi garantir a existência de culpados pela catástrofe, fossem eles os responsáveis políticos (no caso, a Ministra da Administração Interna), fossem a falência das Comunicações da responsabilidade do SIRESP, fossem as corporações dos bombeiros, fossem as autoridades, como a GNR, etc. , uns, porque não colocaram uma equipa de bombeiros à porta de cada cidadão, outros, porque atempadamente não os alertaram do gravíssimo risco, que corriam, incapazes os queixosos de reconhecer, que os primeiros e muitas vezes os únicos culpados eram eles próprios.

Não haverá à vista, imediata, qualquer solução possível para que não se repitam tais catástrofes, enquanto não houver uma consciencialização profunda de que todos, mesmo todos, temos de arrepiar caminhos, corrigir erros, modificar comportamentos e reconhecer na maioria das vezes, humildemente, a nossa profunda ignorância sobre os mais corretos e mais eficazes processos de prevenção e de combate aos incêndios.

A classe política pela sua quase inércia (ou quem sabe, por outros interesses)  é responsável pela continuada inexistência de uma política da floresta, exigente, atualizada, respeitando as nossas espécimes autóctones em vez de apoiar a calamidade do plantio desbragado do eucaliptal, que atinge extensões nunca antes vistas. A cedência aos interesses das indústrias da celulose arruinou a nossa floresta de folhosas e pinheiros, travestindo-a com essa desgraça do eucalipto, pinheirais por eucaliptais.

Qualquer humilde cidadão, residente em áreas florestais, tem a perfeita noção do risco que aquelas árvores trazem em caso de incêndio, pois a sua reconhecida capacidade de projeção à distância de fragmentos da casca a arder, contribui de modo definitivo para uma rápida propagação dos fogos, característica, que não se encontra em pinheiros e muitíssimo menos em sobreiros e medronheiros, como foi o caso do recente incêndio na serra algarvia de Monchique, onde infelizmente a ganância contribuiu largamente para a substituição de uma flora autóctone (sobreiros e medronheiros) pela praga dos eucaliptos.

Quanto a legislação preventiva de incêndios, estamos conversados. Ela existe, como inúmeras outras obras de arte legislativa dos nossos senhores deputados da Assembleia da República (aqueles responsáveis pela defesa dos nossos direitos, recordam-se?), mas que praticamente ninguém respeita, muito menos cumpre, ou até se poderá dizer ninguém faz cumprir.

No corrente ano assistiu-se à penalização dos proprietários incumpridores no que respeita à limpeza das matas, mas espantosamente continua a verificar-se, que o principal dos incumpridores é o próprio Estado, seja através da má gestão das autarquias municipais e de freguesias, seja pela irresponsabilidade direta do Estado em relação à não limpeza da floresta estatal.

Depois, dado que as penas são pouco mais que simbólicas, persistem muitos dos proprietários da floresta privada em não efetuar a respetiva limpeza, pois esta traz-lhes encargos pecuniários bem superiores aos das multas aplicadas.

Desde sempre se conhece a resiliência dos portugueses no cumprimento da legislação, qualquer que seja a sua finalidade, seguros da sua bem conhecida sobranceria, bem própria de um povo de ignorantes e iletrados, rivalizando tantas vezes em competências e conhecimentos com pessoas até com formação universitária.

Não sei se lhe deva chamar “chico-espertice”, ou se deva apelidar de “bronquite“, mas trata-se de um comportamento muito nosso, muito típico do nosso “Zé Povo”.

Estou a passar alguns dias de descanso na zona rural, que foi o meu local de trabalho durante longos anos, tenho conhecimento da total proibição de se efetuar queimadas (mesmo que controladas) neste corrente mês de Agosto. Pois bem, nem por isso deixei de ser testemunha à distância da prática de tal “crime”, assim como do lançamento de fogos de artifício (outra proibição absoluta). Que dizer?

Os Portugueses sempre se revelaram como um Povo rebelde, incapaz de cumprir diretrizes e ordens, muito menos de cumprir leis (é bem conhecida a chico-espertice lusitana no sentido de estudar a Lei não para dela tomar conhecimento e saber como respeita-la, mas sim aprender como dar-lhe a volta para não ter que a cumprir.

E não falemos de deveres, isso é outra questão, sempre sobrelevada pelos seus direitos.

Ainda fumega o restolho dos montes de Monchique, ainda as suas gentes estão em choque e já se iniciou a caça às bruxas por parte, curiosamente, de políticos de memória curta, de partidos com gravíssimas responsabilidades no que concerne à falta de uma bem estruturada política florestal, de políticos altamente responsáveis pela desbragada eucaliptalização da nossa floresta, pelo corte de verbas significativas (só Passos Coelho cortou em sintonia com Assunção Cristas, então ministra da Agricultura, a verba de 20 milhões de euros para a política florestal).

Nunca governo algum fez tanto pela prevenção e combate aos incêndios, que todos os anos grassam pelo país, como o atual. Será, que se poderia fazer mais? Sim, é provável, mas no meu entendimento será significativo, que recordemos que a larguíssima maioria dos incêndios (mais de 90%) têm origem humana, seja criminosa, seja por negligência.

E eu acrescento, outra causa nada displicente, a comprovada ganância lusitana, pouco ou nada preocupada com os outros – recorde-se o dito “primeiro eu, depois ainda eu e os outros que se ….”.

Termino mesmo recordando a uns tantos, que Assunção Cristas a líder de um partido que tanto se preocupa com os “pobrezinhos“, quando Ministra da Agricultura autorizou o livre plantio do eucalipto, defendendo com certeza os interesses da indústria da celulose, que não os interesses da população. Hoje, todos reconhecem o tremendo erro daquela Ex-ministra, mas o silêncio daquele partido é aterrador, preferindo à boa maneira dos políticos portugueses, fingir ouvidos de mercador e muito menos assumir o erro.

É claro, que tal como em Pedrógão Grande, Góis, Castanheira de Pera, aqui em Monchique também todos os prejuízos e indemnizações vão ser pagos com o nosso dinheiro.

Afinal a quem devo pedir responsabilidades?